Depois de um ciclo de crescimento e realização de grandes obras, o Brasil tem atravessado, nos últimos quatro anos, um período de paralisia de investimentos em infraestrutura.
Por motivos diversos, mas principalmente em decorrência do atual cenário fiscal e de instabilidade institucional, os investimentos em infraestrutura caíram de 2,5% do PIB, em 2014, para 1,7%. “O mínimo de investimento necessário apenas para manter a infraestrutura existente no país deveria ser de 3%”, destaca o diretor da Odebrecht Engenharia e Construção, Saulo Vinícius Rocha Silveira.
Entre outros impactos, a freada nos investimentos públicos e privados em infraestrutura resultaram no fechamento de 400 mil postos de trabalho na construção pesada, sem contar os reflexos em toda a cadeia de fornecedores.
Nesta entrevista, Saulo comenta esses e outros impactos da queda nos investimentos em infraestrutura e os caminhos para a retomada do setor, que beneficiaria significativamente toda a economia e a sociedade.
Newsletter ABEMI – Em que medida as crises financeira e política e o ano eleitoral afetaram os investimentos no setor de infraestrutura?
Saulo Vinícius Rocha Silveira – Temos assistido ao Brasil passar por uma recessão nos últimos anos, após ter vivido um ciclo de crescimento e realização de grandes obras. Esta crise fiscal que atinge o país impacta diretamente a execução de obras de maior vulto, mesmo aquelas já previstas em programas de governo, como o Avançar, que sucedeu o PAC. Além disso, só agora vemos uma leve recuperação do preço do petróleo, commodity que historicamente baliza o nível de investimentos em infraestrutura, especialmente nos países da América Latina.
O atual cenário fiscal e de instabilidade institucional causou a redução não somente do investimento público, mas também do privado, derrubando os investimentos em infraestrutura de um nível de 2,5% do PIB, em 2014, para 1,7%. O mínimo de investimento necessário apenas para manter a infraestrutura existente no país deveria ser de 3%. A título de ilustração, o orçamento do PAC foi reduzido de um nível de R$ 70 bilhões, em 2014, para R$ 17 bilhões, em 2018, e os investimentos das empresas estatais estão no nível mais baixo desde a década de 1990.
NA – Quais fatores mais dificultam os investimentos em infraestrutura?
SV – A crise fiscal pela qual passa o país é fator preponderante para a falta de investimentos. Porém, ainda mais importante que isso, a insegurança jurídica atrapalha o investimento público e privado em infraestrutura. Ilustra esse fato a absoluta insegurança dos gestores públicos em executar as suas competências legais por receio de serem responsabilizados por órgãos de controle ou judiciais. Tal problema se reflete na falta de aprovação de financiamentos públicos a projetos, na média de 2 mil dias para a emissão de licenças ambientais; no prazo para a conclusão de processos licitatórios, entre outros.
NA – Quais as consequências para o país?
SV – A área mais afetada é, sem dúvida, o emprego. O setor de construção pesada fechou mais de 400 mil postos de trabalho diretos entre 2013 e 2018, que representam 13% de todo o desemprego do período, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (SINICON). Os mais prejudicados pelo desemprego são pessoas da classe D e E (renda até 3 salários mínimos). Além disso, outros 62 setores, como metalúrgico, serviços financeiros, alimentos, vestuário, máquinas e equipamentos, que compõem a cadeia de fornecedores da construção pesada, foram diretamente afetados e continuam contando negativamente para a recuperação da economia, diante da paralisação do setor de infraestrutura. Segundo dados do IBGE, cada R$ 1 milhão investido no setor de construção pesada gera R$ 1,4 milhão do valor adicionado ao PIB, além de 46 novos postos formais de trabalho e R$ 456 mil a mais em salários ao longo de um ano.
NA – E quais os reflexos para as empresas de engenharia?
SV – Por fim, o Brasil tem desperdiçado um mercado arduamente conquistado pelas construtoras brasileiras na exportação de serviços de engenharia e os benefícios econômicos dela advindos. Tais exportações demandam em todo o mundo apoio financeiro oficial. Desde 2014 o Brasil abdicou de apoiar o setor, resultando na retração da participação do país no mercado internacional de 2,4% para menos de 1%. É preciso desmitificar a origem e a destinação destes recursos para que a sociedade entenda a importância de empresas brasileiras efetuarem obras em outros países, gerando emprego e renda dentro do Brasil.
NA – Quais são os caminhos para a retomada dos investimentos em infraestrutura?
SV – É fundamental melhor definir as competências dos órgãos de controle, as responsabilidades dos gestores públicos, revisar a Lei de Licitações, as normas relativas ao licenciamento ambiental e o marco legal das agências reguladoras, de modo a aumentar sua independência administrativa e financeira. Além disso, é necessário um melhor planejamento dos projetos e a priorização dos investimentos estruturantes, de modo a reduzir a escolha política dos projetos e formar uma carteira de projetos maduros para serem concedidos ou licitados. O Brasil necessita investir R$ 300 bilhões por ano em infraestrutura. Tornar esse valor realidade demanda planejamento e avanços em segurança jurídica.
NA – Quando deveremos voltar a apresentar níveis de investimentos adequados?
SV – A recuperação dos preços das commodities e o aumento da capacidade de investimento no Brasil, num cenário de aprovação de reformas como a da Previdência, desvinculação de despesas orçamentárias e cortes de despesas podem criar um cenário mais promissor para retomada de obras. O Brasil ainda soma 13 milhões de desempregados. Por isso, independentemente de quem assumir, o novo governo deverá ter um olhar especial para o setor de infraestrutura, afinal ele é o catalisador do investimento, da geração de emprego e renda.
Editora Conteúdo/Abgail Cardoso