Junto com as medidas emergenciais de socorro às vítimas e tentativas de minimizar os impactos ambientais, tragédias como o rompimento da barragem de Brumadinho agora e o de Mariana, há três anos, chocam o país e deflagram uma infinidade de análises. Por que aconteceu? Quem falhou? Quem são os responsáveis?
Entre os muitos pontos de vista que podem ser observados para analisar esse tipo de desastre, um deles vem sendo apontado há tempos pela ABEMI e por outras entidades ligadas ao setor de engenharia.
Em obras de infraestrutura, custo, isoladamente, não pode ser, definitivamente, o critério prioritário para selecionar fornecedores. Serviços de engenharia, especialmente em projetos vultosos e de grande impacto socioambiental, não podem ser comprados pelo menor preço simplesmente.
O que tem de contar mesmo é a qualidade da solução técnica proposta, a capacidade técnica da equipe que a elaborou, a expertise do time que fará a construção, fiscalização da obra, montagem e manutenção. Tudo isso para garantir a entrega e a operação segura do empreendimento, seja barragem, ponte, viaduto, plataforma, refinaria ou gasoduto, entre outros.
Por isso, a ABEMI insiste que projetos dessa natureza demandam a alocação de profissionais qualificados, de formação técnica de primeira linha, que investiram e precisam continuar investindo continuamente em sua capacitação, que, portanto, precisam ser adequadamente remunerados. É claro que profissionais em formação também compõem as diversas equipes, mas eles não podem liderar os projetos.
Estamos falando de qualidade, funcionalidade e, acima de tudo, de segurança de quem opera, da comunidade, do meio ambiente e – por que não? – da sustentabilidade do negócio e da remuneração do acionista, quando o empreendimento é privado.
É pensando nisso e para resgatar a engenharia, valorizada pela competência, qualidade e segurança, que, na ABEMI, temos nos mobilizado e atuado nas diferentes esferas, abordando os diversos atores ligados à engenharia industrial. Um dos exemplos mais recentes foi o alerta que emitimos à Diretoria de Desenvolvimento da Produção e Tecnologia da Petrobras, em novembro de 2018, a respeito do leilão para a contratação de serviços para a elaboração de projetos para ampliações e melhorias em refinarias e para manutenção de plataformas de petróleo. O assunto chegou a ser abordado no Petronotícias, em novembro.
Chegamos a pedir a suspensão dessas licitações, lembrando, na carta, que a modalidade de compra via leilão resulta em inevitável reflexo negativo sobre a qualidade dos trabalhos executados. Destacamos ainda que a compra pelo menor preço tem como consequência a contratação de profissionais de menor experiência ou com salários incompatíveis com a responsabilidade que é a prestação de serviços à Petrobras.
Também antes da tragédia de Brumadinho, o Sinaenco (Sindicato da Arquitetura e da Engenharia) publicou um manifesto nesse sentido, posicionando-se contrariamente à proposta de ampliação do pregão eletrônico para serviços e obras de engenharia. Em linha com o pensamento da ABEMI, a entidade argumentava que essa medida iria contra o interesse da sociedade brasileira, uma vez que afetaria a qualidade dos serviços técnicos especializados.
Após o rompimento da barragem de Brumadinho, o presidente do Instituto de Engenharia, Eduardo Lafraia, também emitiu uma nota alertando para o processo de depreciação e desmanche da engenharia, em decorrência da preponderância do estado como contratante de serviços de engenharia e construção, por se basear numa abordagem excessivamente financeira.
Lamentavelmente, precisou ocorrer a repetição da tragédia de Mariana, com consequências humanas e ambientais devastadoras, para que nossa voz fosse ouvida. Menos de uma semana depois de Brumadinho, o ministro da Economia, Paulo Guedes , se comprometeu em vetar o uso da modalidade leilão eletrônico por menor preço para a aquisição de serviços de natureza estritamente intelectual. Esperemos que o setor privado também siga nesse caminho, a fim de garantir a qualidade e operacionalidade de seus empreendimentos, mas, sobretudo, para preservar vidas e o meio ambiente.
Nelson Romano, Presidente da ABEMI