Ao mesmo tempo em que sinaliza a necessidade de grandes ajustes para continuar no mercado e disputar de igual para igual com empresas de engenharia europeias, a assinatura do Acordo Mercosul-União Europeia, anunciada no fim de junho, é muito bem-vinda para o setor, a economia e o Brasil, na visão de Marcelo Corrêa, diretor da ABEMI e sócio da Remac Engenharia e Arquitetura.
“É uma iniciativa excelente, há muito tempo esperada, que vai nos obrigar a nos modernizar em todos os setores para melhorar a competitividade, mas, acima de tudo, vai ser uma oportunidade de quebrar, de uma vez por todas, o famigerado custo Brasil. Somos competitivos na origem, na capacitação técnica, mas por problemas tributários, fiscais, infraestrutura deficiente e excesso de burocracia, que transcendem as empresas de serviços de engenharia e os demais setores, não conseguimos vender produtos e serviços lá fora”, destaca Corrêa.
Segundo ele, com o acordo recém-publicado, este é o momento ideal para as empresas brasileiras começarem a traçar estratégias de longo prazo, para se prepararem para quando o acordo efetivamente começar a vigorar.
Corrêa explica que a queda expressiva da demanda de serviços, em razão do baixo nível de investimento em projetos industriais e de infraestrutura nos últimos anos, fez com que muitas empresas do setor, entre elas algumas grandes, reduzissem drasticamente a marcha. Algumas praticamente pararam.
Com isso, as empresas brasileiras de projetos e engenharia reduziram seus quadros de pessoal e deixaram de investir em modernização de tecnologias. “Estamos muito defasados na corrida da indústria 4.0. Precisamos que uma nova fase de projetos aconteça para termos fôlego para correr atrás desse prejuízo e alcançar os concorrentes internacionais. Precisamos agir ou seremos engolidos”, afirma.
Com o trunfo de conhecer as características do mercado local, uma possível estratégia para as empresas de engenharia brasileiras pode ser buscar atuar em parceria com as estrangeiras, o que seria interessante para ambas as partes e para a geração de emprego local.
Duas décadas
O Acordo Mercosul-União Europeia foi assinado depois de 20 anos de negociações. É considerado um marco histórico para os dois blocos, que movimentam 25% do PIB mundial e formam um mercado de 780 milhões de consumidores.
Anunciado pelos Ministérios da Economia e das Relações Exteriores, o acordo inclui questões tarifárias e regulatórias a respeito de compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual.
Comemorado pelo governo brasileiro, o acordo tira o Mercosul do isolamento. Até então, o Mercosul tinha acordos com Israel, Palestina e Egito. A assinatura foi um primeiro passo. A partir de agora, o texto será avaliado pelo poder legislativo de cada país envolvido e pelo Parlamento Europeu. Não há prazo definido para concluir essas análises e para a entrada em vigor do acordo, que pode levar cinco anos.
Estimativas do Ministério da Economia calculam o tratado permitirá um incremento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões a US$ 125 bilhões em 15 anos e crescimento dos investimentos de US$ 113 bilhões.
A convite da newsletter da ABEMI, Marcelo Corrêa, que tem mais de 30 anos de atuação na associação e já foi presidente da Setal e da Techint, analisa os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia.
Newsletter ABEMI – Como o Acordo Mercosul-União Europeia vai impactar o setor de projetos e engenharia industrial no Brasil?
Marcelo Corrêa – Estamos vendo algumas resistências iniciais, mas o acordo será excelente para o país. O Brasil representa 80% do Mercosul. Os otimistas dizem que em um ou dois anos estará em vigor, e os realistas estimam um prazo de até cinco anos. Os impactos no nosso setor serão indiretos. Em geral, o acordo focaliza mais agricultura e indústria, mas terá reflexos em muitos segmentos. Uma das grandes vantagens é que não podemos mais colocar barreiras, como sempre fizemos. A nossa indústria e nossa economia sempre foi um mercado reservado. Isso vai acabar e obrigar o país a evoluir. Estamos muito atrasados na corrida da indústria 4.0.
NA – É possível alcançar o pelotão da frente?
MC -Com o acordo, serão necessários investimentos maciços em infraestrutura, tecnologia, comunicação, geração de energia, diminuição da burocracia, para melhorar a comunicação digital. Senão vamos ser engolidos. Mas essa não é a intenção. A ideia é fazer um comércio franco, aberto em todas as áreas. Para isso, será necessário um grande volume de investimento em infraestrutura e, consequentemente, surgirão oportunidades para as empresas de engenharia. Mas o país não tem poupança para isso. Investidores vão querer tomar parte dessa oportunidade. O risco é que investimentos empresariais estrangeiros venham com empresas de engenharia de lá. Com cuidado, temos de buscar aproximação para estabelecer parcerias. Não haverá mais espaço para pedir protecionismo. Vamos ter de ser pelo menos iguais a eles.
NA – O que atrapalha tanto a competitividade brasileira?
MC – É o famigerado, o famoso custo Brasil, que transcende as empresas de serviço de engenharia e construção. Nosso problema tributário e fiscal, nossa falta de infraestrutura e nossa burocracia, tudo isso impede que a gente seja competitivo lá fora. Somos competitivos na origem, na capacitação, mas não conseguimos vender serviços lá fora. De uns anos pra cá, forçosamente, estamos ficando para trás por causa da falta de investimentos. As engenharias praticamente fecharam as portas, diminuíram tremendamente. Em 2012, o setor empregava 500 mil profissionais, hoje não chega a 20 mil. Não conseguimos investir em novas tecnologias e capacitação profissional.
De acordo com a CNI, mais de 70% dos 24 setores industriais estão bem atrasados em relação à aplicação de tecnologias digitais e bem longe na corrida da indústria 4.0. Isso se aplica também à engenharia.
NA – A engenharia brasileira tem alguma vantagem competitiva para atrair o interesse de parceiros internacionais?
MC – Nossa grande vantagem é o conhecimento local, das nossas condições de clima, trabalho, tecnologia. Na área de engenharia industrial, tivemos de trazer tecnologia de fora e fizemos adaptações. Graças à Petrobras, somos avançados em desenvolvimento de campos, mas na hora de fazer uma unidade de produção, estamos fora do mercado por problema de infraestrutura e prazo.
NA – Quais nossos principais desafios?
Para todo investimento, é necessário engenharia, que precisa ser atualizada, moderna, eficaz, eficiente. Não se pode gastar mais para fazer algo aqui do que se gastaria para fazer fora. Precisa haver modernização, qualidade, padronização, melhoria da faculdade. Nosso ensino tem de mudar. O acordo vai nos obrigar a quebrar o mito do custo Brasil e do protecionismo. Mas é preciso investimento para podermos acompanhar, senão será um tsunami.
NA – Como o setor vem se preparando para começar a vigência do acordo?
MC – O anúncio do acordo é recente. Ainda vai levar tempo para que seja aprovado pelos países do Mercosul e da União Europeia. Quanto tempo vai levar ninguém sabe, é pura especulação. Mas é necessário se preparar, pensar em estratégias de longo prazo, buscar saber quais áreas serão priorizadas, onde estarão as oportunidades e ir atrás de parcerias. Ninguém vai trazer mão de obra da Europa, que é muito cara. O problema é que estamos muito debilitados, mas não podemos ficar parados. Esse assunto tem de estar no nosso radar.
Editora Conteúdo/Abgail Cardoso