Com apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (ABENGE), o Conselho Nacional de Educação (CNE) propôs mudanças nas diretrizes curriculares das graduações de engenharia, visando tornar os cursos mais dinâmicos, atrativos, mais práticos, flexíveis e focados em inovação. Entre agosto e setembro, o documento foi submetido à consulta pública, está agora em processo de deliberação final e deverá ser submetido ao Conselho Pleno do CNE em novembro.
As mudanças valerão para todos os cursos de Engenharia que hoje estão ligados à Resolução CNE/CES número 11 de março de 2002. Os cursos de engenharia agronômica, agrícola, pesca, florestal, geológica, de computação e de software, por possuírem diretrizes próprias, não são submetidos à CNE/CES 11 de março/2002 e só vão aderir às novas DCNs se desejarem.
Formação de competências
Uma das principais propostas, segundo o presidente da ABENGE, é alterar a formação, hoje baseada em conteúdos, para formação para competências. “Saber é essencial, mas saber o que fazer com o que aprendeu é que hoje se espera do formando dos cursos de engenharia, ou seja, o conhecimento deve ser oferecido de maneira contextualizada e sempre procurando problemas e situações reais de sua aplicação”, afirma o presidente da ABENGE, Vanderli Fava de Oliveira.
Segundo ele, hoje há outros fatores exigidos dos profissionais que estão relacionados ao campo das atitudes diante das situações a serem enfrentadas pelos engenheiros, para projetar soluções que levem em consideração o meio ambiente (recursos escasseando e prejuízos ao planeta) e a responsabilidade social referente às repercussões sobre os habitantes do planeta, decorrentes do avanço tecnológico e do uso dos recursos naturais para fazê-las funcionar.
As novas diretrizes explicitam ainda a atuação do engenheiro em toda a cadeia produtiva, como gestor e empreendedor no campo da engenharia, na formação de novos engenheiros e na pesquisa e prospecção de novas soluções e tecnologias. Propõem ainda um nivelamento de conhecimento dos alunos, principalmente de matemática, física e química. Pela primeira vez, as diretrizes tratam da necessidade de capacitação do docente nas áreas técnica e pedagógica e na educação continuada, além de abordar o incentivo à interação entre universidade e empresa.
Inovação e polêmica
Um dos pontos mais polêmicos diz respeito à redução das disciplinas básicas, o que já vem ocorrendo desde 2002, quando o CNE começou a dar ênfase a competências. Para o CNE, um dos fatores que promovem a evasão é o foco em disciplinas comuns no dois primeiros anos.
“Achamos saudável o CNE querer discutir as bases da formação da engenharia, mas trata-se de um assunto complexo que precisa mais tempo. Na Poli, temos acompanhado e discutido muito esse assunto. Ainda não temos uma posição fechada para todos os pontos da proposta”, afirma o presidente da Comissão de Graduação da Poli-USP, Fábio Cozman.
Ele destaca que um dos aspectos de maior atenção é a falta de referência ao conteúdo mínimo dos cursos. “Está vago demais. É importante valorizar as competências, mas as disciplinas básicas são fundamentais para a formação do engenheiro. Na Poli, começamos uma reforma no currículo há cinco anos para torná-lo mais flexível e para atender melhor às demandas do mercado, mas ainda valorizamos o conteúdo básico”, defende .
Sua preocupação é compartilhada por diversos representantes das comunidades acadêmica, científica, tecnológica de de inovação. Associações de engenharia e o Sistema CREA/CONFEA solicitaram, em agosto, por meio de uma carta aberta, a realização de consultas públicas, buscando aperfeiçoamento das novas diretrizes curriculares nacionais de engenharia.Na opinião de Vanderli, as propostas atendem às necessidades atuais na formação profissional do engenheiro, lembrando que, de acordo com o Banco Mundial, as competências-chave para a próxima década são, nesta ordem de importância:
• resolução de problemas complexos,
• pensamento crítico,
• criatividade,
• gestão de pessoas,
• coordenar-se com outros,
• inteligência emocional,
• tomada de decisão e discernimento,
• orientação para o serviço,
• negociação,
• flexibilidade cognitiva.
“Um curso baseados em conteúdos estanques, distribuídos em disciplinas fragmentadas, oferecidas em formato de aula tradicional, na qual o aluno é passivo no processo, dificilmente conseguirá desenvolver estas competências”, acredita Vanderli.
Sinal amarelo
A preocupação com a qualidade da formação dos engenheiros vem crescendo nos últimos anos. “A engenharia é um dos principais impulsionadores da competitividade de um país. Se a formação em engenharia apresenta sinais de preocupação, isso contribui para diminuir a capacidade de competir do país pelo menos nos setores que mais dependem da engenharia”, observa Vanderli.
Citando dados do INEP, o presidente da ABENGE destaca o salto do número de cursos de Engenharia:
• de 752 em 2000;
• para 5.743 cursos em 2018;
Desse total 194 são de ensino a distância (EAD). Este ano, o número de vagas ultrapassou 1,2 milhão, sendo 428 mil EAD. Mas o ganho qualitativo não acompanhou o crescimento da oferta de vagas, conforme indicam os resultados do ENADE (prova realizada pelos concluintes dos cursos), e a evasão é elevada.
A evasão média nos últimos 20 anos está em:
• 47% (37% nas públicas e 54% nas privadas);
• Era de mais de 50% na segunda metade da década de 90;
• Foi menor de 50% na primeira década deste século;
• E voltou a aumentar recentemente, ultrapassando 55% em 2017.
Ainda assim, nos últimos 15 anos, o número de graduados em Engenharia aumentou quatro vezes, passando de 25 mil em 2001 para mais de 100 mil em 2016. Não houve, porém, um impacto correspondente na capacidade de inovar do setor produtivo. Os resultados do ranking mundial de inovação, o Global Innovation Index (GII), divulgados em agosto, apontam o Brasil no 64o lugar. Um dos indicadores da pesquisa, que leva em conta as graduações em ciência e engenharia, classificou o Brasil em 79º lugar dentre 126 nações.
Editora Conteúdo/Abgail Cardoso e Inês Caravaggio