Os efeitos do novo coronavírus e da maior crise de saúde pública e humanitária sobre a economia foram analisados em webinar promovido pela ABEMI, no dia 23 de abril. O convidado foi o economista Antônio Corrêa de Lacerda, diretor da FEA-PUCSP, presidente do Conselho Federal de Economia e sócio-diretor da AC Lacerda Consultores.
Por meio da ferramenta Windows Teams, Lacerda falou para os associados sobre os reflexos econômicos da pandemia e elencou os desafios e as oportunidades. “Em geral, as crises afetam a demanda. Desta vez, temos uma situação sem precedentes, que afeta a demanda e a oferta, provoca a interrupção de cadeias produtivas importantes e as atividades econômicas. Traz muita incerteza e deteriora as expectativas”, afirmou.
Do ponto de vista global, Lacerda destacou a queda de 13,5% da produção industrial da China, segunda maior economia global, a intensificação da queda do preço das commodities e oscilação das bolsas, volatilidades que acabam sendo absorvidas pelo mercado financeiro e fazem crescer a aversão ao risco. Com isso, houve uma valorização do dólar norte-americano e uma corrida para os títulos do governo dos Estados Unidos em busca de liquidez e segurança.
Segundo ele, a expectativa é que o impacto da crise na economia se amenize a partir do terceiro trimestre deste ano, mas mesmo assim as dificuldades do primeiro semestre comprometerão significativamente os resultados de 2020, a depender do desenvolvimento, da duração e da saída dessa crise sanitária. O IMF – World Economic Outlook Update prevê uma queda de 3% no PIB global. Apenas China e Índia aparecem na lista com previsão de PIB positivo, mas ainda sujeitos a revisão para o negativo.
O caminho adotado pelos principais países é bem parecido com o que está sendo feito no Brasil: isolamento social, testagem e educação da população para evitar a propagação da doença. No viés econômico, as medidas incluem mais reduções da taxa básica de juros, injeção de US$ 10 trilhões na economia, políticas para mitigar falências e garantir emprego e renda, incentivo ao crédito, suspensão de cobrança de impostos e tarifas públicas.
O Brasil na crise
Segundo Lacerda, o Brasil entra nessa crise numa situação mais desconfortável do que as principais economias mundiais. “Tivemos recessão em 2015 e 2016 e, nos três últimos anos, taxas de crescimento muito pequenas. Entramos na crise do novo coronavírus numa situação de vulnerabilidade. Nosso PIB em 2019 foi 4 pontos percentuais menor do que era antes da crise de 2008”, observa.
Nesse período, caiu o nível de investimentos em infraestrutura e na indústria. “A desindustrialização no Brasil é antiga. Hoje a participação da indústria no PIB está em 10%, já foi 27%. Isso tem um impacto muito grande na geração de emprego e renda.” Soma-se a isso o contingente de 26 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, um número 70% maior que em 2014. Estão desempregadas ou fazem parte dos grupos chamados de desalentados (que desistiram de procurar emprego) ou de subocupados, que trabalham menos do que gostariam. “Cada desempregado, desalentado ou subocupado é um consumidor a menos. Há um impacto direto na economia e na vulnerabilidade social.”
Na luta contra o novo coronavírus, Lacerda enfatiza que o isolamento social se apresenta como a melhor alternativa para amenizar a pressão sobre o sistema de saúde, já que não temos infraestrutura pública ou privada para um aumento brusco de demanda. Dos pontos de vista econômico e social, a pandemia deverá ter impactos impressionantes. “Tudo indica que estamos na maior contração do PIB da nossa história. Vivemos algo inédito na nossa economia, uma situação de absoluta exceção, que vai durar um tempo incalculável, que depende da duração da pandemia. Com isso, as expectativas ficam muito afetadas, há volatilidade nos mercados, na bolsa, no câmbio e nos juros”, afirma.
Conjunto de ações
Nos setores produtivos, Lacerda aponta a desarticulação das cadeias produtivas, queda na produção industrial, nas vendas no varejo, nas exportações e importações e nos investimentos, com reflexos na ociosidade, aumento de falências, inadimplência e renegociação de contratos. Quanto às medidas tomadas, ele as classifica como necessárias para amenizar o efeito da crise. O conjunto de ações tem um custo de R$ 700 bilhões por ano, o equivalente a 10% do PIB brasileiro.
Como o orçamento público não comporta, esses gastos deverão ser financiados pela emissão de dívida pública. “Praticamente todos os países estão usando esse mesmo receituário. Não há saída para uma crise como esta sem aumento de gastos públicos.”
Na avaliação de Lacerda, o Banco Central vem agindo relativamente bem, mas peca no principal, que é a manutenção da liquidez e a distribuição de crédito a taxas competitivas. O economista lembra que os juros cobrados do tomador continuam muito altos, apesar das sucessivas quedas da taxa Selic, que está em 3,7% e deve cair ainda mais.
A crise afeta de diferentes maneiras os diversos setores produtivos. Construção civil, a produção de forma geral, turismo, hospedagem, gastronomia, bebidas, setor aéreo, escolas, cursos, treinamentos presenciais, esportes, lazer e eventos são os setores que mais têm sofrido em decorrência da paralisação das atividades.
Na outra mão, há setores que têm se beneficiado com a crise, como serviços, materiais, equipamentos de saúde, supermercados, alimentos, eletrodomésticos de uso diário, logística, entregas, e-commerce, lazer online, redes virtuais, banda larga, telefonia celular, aplicativos e softwares de atividades remotas, ensino e treinamento a distância.
O que fazer agora
O país começa a se preparar para a saída gradual do isolamento social e a retomada das atividades produtivas, o que é um desafio que requer o planejamento de uma equipe técnica multidisciplinar, sob o risco de uma recaída. Estima-se um retorno de 9 meses a um ano para preparar a população para novos comportamentos, estabelecer regras sanitárias, negociação de escalonamento de atividades, adequação do transporte público. A crise deixou evidente também a necessidade de políticas sociais mais eficientes, já que o país tem 100 milhões de vulneráveis.
A pandemia, aliás, evidenciou a desigualdade social e a necessidade de investir em infraestrutura social, habitação popular, saneamento e água potável. “É um absurdo um país que é a nona economia do mundo ter metade dos lares sem acesso a saneamento básico.” Lacerda defende também a importância da reindustrialização, para garantir a segurança da sociedade. Após sua apresentação, ele respondeu às perguntas dos participantes do primeiro webinar da ABEMI.
Editora Conteúdo/Abgail Cardoso