Estudo realizado pelo Instituto de Energia da PUC-Rio avaliou o potencial e as condições de viabilização da oferta de gás natural para uso como matéria-prima nas indústrias química e de fertilizantes no Brasil. O trabalho foi encomendado pela Coalizão pela Competitividade do Gás Natural como Matéria-Prima e apresentado à equipe do Ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, no início do mês.
Para o presidente da ABEMI, Joaquim Maia, “O estudo reforça o acerto do Governo Federal liderado pelo Ministério de Minas e Energia no lançamento do Programa Gás para Empregar, aprovado recentemente em resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Este Programa representa uma grande oportunidade para o desenvolvimento e reindustrialização do país, buscando caminhos que possam viabilizar o aumento da oferta de gás natural no mercado doméstico, a preços competitivos”.
“O Estudo é um insumo para o diálogo. Ele foi contratado no sentido de contribuirmos para o debate qualificado para a definição de políticas públicas do gás como matéria-prima, no qual todos os stakeholders devem participar, da produção ao consumo passando por todos os elos deste sistema (escoamento, processamento, transporte etc)”, afirma o presidente-executivo da ABIQUIM, André Passos Cordeiro. “Defendemos que a solução passa por múltiplas medidas, principalmente de política pública, que aumentem a competitividade e a sustentabilidade da indústria, que deverá ser construída coletivamente visando ganho para todos os elos da cadeia produtiva e, principalmente, o aumento do bem estar do povo brasileiro.”
Crescimento contínuo
O estudo do IEPUC verificou que uma parcela importante da produção brasileira de gás natural não chega ao mercado, sendo que, nos últimos 10 anos, o percentual da produção total que é disponibilizada vem caindo e atingiu menos de 40% em 2022. Esta queda, em muito, é explicada pelo crescimento contínuo dos níveis de reinjeção de gás nos reservatórios. Essa reinjeção, por sua vez, ocorre em sua maioria na região do Pré-Sal, onde o volume reinjetado já ultrapassa 60 milhões de m3/dia. Este volume, localizado no Pré-Sal, equivale a mais de 40% da produção total de gás natural de todo o Brasil.
A partir de análises minuciosas sobre os campos produtores e com potencial de produção de gás natural e levando em consideração toda a produção possível de gás natural, o estudo traz uma primeira grande conclusão: a despeito do que vem sendo colocado na mídia, o Brasil tem gás, podendo triplicar a oferta de gás nacional ao mercado até o final da década.
Para isso, o estudo levantou qual seria a estimativa do volume total de gás reinjetado atualmente nos campos do Pré-Sal, que poderia ser escoado através da revisão das decisões sobre a reinjeção e se não houvesse restrições de infraestrutura. Essa análise considerou o nível de contaminantes no gás natural de cada área produtora, chegando assim, a uma outra principal conclusão do estudo: as áreas mais promissoras para produção de gás natural não possuem níveis elevados de CO2, existindo áreas com potencial para gás natural praticamente sem CO2, que é o caso de Bacalhau e de Tupi que possuem em média 5% de CO2. O campo de Búzios possui em torno de 25%, teor que ainda viabiliza o seu tratamento e escoamento de gás especificado.
Potencial de produção
O estudo explicita, ainda, que pouco mais de 50% do gás reinjetado é referente ao CO2 separado nas plataformas e de gás natural de arrasto, ou seja, volume de gás natural que acaba sendo levado junto com o CO2 no processo de tratamento do gás na plataforma. Portanto, quase a metade do volume reinjetado atualmente, ou cerca de 30 milhões de m3/dia, poderia vir para o mercado se houvesse capacidade de escoamento. Isso significa que, havendo condições logísticas, o Pré-Sal poderia de imediato duplicar o volume total hoje disponibilizado pela região.
Parte desse volume está previsto ser escoado pelo Projeto Rota 3 (rota de escoamento e unidade de tratamento em Itaboraí/RJ), que está atrasado há mais de 7 anos, de acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), e previsto para entrar em operação ao final de 2024. Além disso, é importante a readequação da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) de Caraguatatuba e da Rota 1 que conecta esta UPGN ao Pré-Sal.
Neste caso, em particular, a Rota 1 está limitada a escoar 10 milhões de m3/dia de gás (ante a capacidade nominal de 20 milhões de m3/dia). Este importante gargalo técnico decorre da incapacidade no processamento do gás do Pré-sal pela UPGN de Caraguatatuba, que foi projetada para o gás de Mexilhão – Pós-sal, e está operando fora da especificação. Todo este gás adicional de 30 milhões de m³/dia poderia ser ofertado ao mercado até 2027.
A análise da produção também mostrou que a oferta de gás natural no Brasil deve continuar se expandindo de forma significativa na próxima década. O estudo avaliou o potencial da oferta no Pré-sal, considerando projetos e plataformas planejados, e estimou a oferta potencial máxima após a reinjeção técnica nas plataformas, que podem separar e “exportar” gás no Pré-sal. O estudo mostra que a oferta potencial máxima é largamente superior à capacidade planejada de escoamento de gás do Pré-sal.
Além da oferta potencial do gás do Pré-sal que poderia vir para o mercado, existem duas grandes áreas de gás natural que estão em fase de desenvolvimento na bacia de Campos (BM-C-33 – Pão de Açúcar) e na bacia de Sergipe-Alagoas, que juntas ofertarão outros 30 milhões de m3/dia de gás a partir de 2027.
O estudo apresenta também uma projeção dos volumes de gás natural que deixarão de ser disponibilizados dada a decisão de reinjeção total do gás produzido. Apenas em Búzios, por exemplo, existe uma oportunidade de ampliar ainda mais a oferta de gás natural ao mercado, especificamente nas plataformas P82 e P83 em fase inicial do cronograma de engenharia e construção (EPC), e nas plataformas P84 e P85 ainda não contratadas.
Gás para empregar
O potencial de gás natural que poderia ser escoado para o mercado pode atingir 6 milhões de m³/dia por plataforma, ou seja, até 24 milhões de m³/dia no total, o que por si só justifica pelo menos uma nova rota de escoamento para a costa.
Além da possível oferta potencial, o estudo fez uma estimativa da demanda de gás para a malha integrada. Esta demanda pode ser dividida em duas parcelas. A parcela da demanda firme que inclui a demanda projetada dos segmentos industrial, comercial, residencial, GNV e a parte inflexível da demanda para geração termelétrica. A parcela flexível inclui a parte da demanda sazonal para geração termelétrica, que será atendida majoritariamente através de importações de GNL.
A partir da comparação entre oferta e a demanda de gás firme, foi possível estimar o volume de gás adicional que poderá ser direcionado para uma política de gás como matéria-prima. O estudo mostrou que mesmo no cenário de oferta (limitado pela infraestrutura de escoamento), a partir de 2028 existirá um volume significativo de gás que poderá ser demandado para novos projetos no setor químico e de fertilizantes (alcançando até 17 milhões de m³/dia). Ademais, caso se concretize esta oferta de gás, serão produzidos líquidos de gás natural (etano e propano) em volume suficiente para viabilizar duas novas plantas petroquímicas no país.
No cenário onde são feitos investimentos na infraestrutura de escoamento dos volumes de gás, existe um potencial ainda maior de gás para novos projetos no setor químico e de fertilizantes. A depender da estratégia dos operadores quanto à injeção por razões econômicas no Pré-sal, poderá ser disponibilizado entre 12 e 25 milhões de m3/dia.
A nota recente emitida pelo MME aponta na mesma direção dos resultados do estudo do IEPUC. Além da avaliação em relação à oferta nacional, o estudo, que em sua primeira fase, contém detalhes e memórias de cálculo, totalizando mais de 243 páginas, também traz considerações sobre o gás importado da Bolívia (que deverá se esgotar em 2030) e a inserção do biometano até 2032.
O programa Gás para Empregar é um passo acertado do MME, e deve ser apoiado por todos os setores industriais. Aplicado em sua totalidade, pode destravar pelo menos R$ 70 bilhões em investimentos em química e fertilizantes. Esses investimentos também ajudam a viabilizar outro aspecto que uma oferta adicional de gás possibilita: a separação do propano e do butano presentes no gás natural poderá promover autossuficiência brasileira em GLP, o gás de cozinha. E o consumo de propano e eteno ajuda a pagar a conta dessa separação. Uma coisa leva a outra num ciclo virtuoso.
No melhor dos cenários, o Brasil terá um incremento na oferta de gás de até 53 milhões de m3/dia em 2029. Estaremos assegurando a soberania, a autonomia de decisão nacionais, a autossuficiência em GLP (gás de cozinha) a preços acessíveis para a população mais carente, além de diminuir a dependência externa de importantes insumos para nossa economia. A maior oferta de gás significa mais riqueza, empregos e desenvolvimento no caminho da transição energética.
Editora Conteúdo