Depois de um período de desinvestimento forte desde 2015, o setor de Engenharia Industrial vive um momento de reaquecimento e já começou a contratar, mas encontra dificuldade para atrair e reter talentos especializados tanto nas áreas operacionais como nas gerenciais.
“Projeções do G20 Global Infrastructure Hub indicam que o Brasil terá investimentos da ordem de US$ 300 bilhões a US$ 400 bilhões por ano em projetos de infraestrutura, construção industrial e descarbonização de ativos. Teremos uma avalanche de projetos. Quem tiver pessoal vai conseguir executá-los. Quem não tiver equipe não vai conseguir”, afirma o sócio-líder de Infraestrutura e Projetos de Capital na América Latina da Deloitte, Eduardo Raffaini.
Com essa perspectiva de aceleração da demanda de serviços de Engenharia Industrial, a pergunta que precisa estar no centro das atenções das empresas é: como se tornar um setor atraente para jovens que estão escolhendo sua profissão? O mundo do trabalho mudou, e as novas gerações têm valores e demandas diferentes. Como nativos digitais, têm naturalmente uma atração por áreas ligadas à tecnologia e à internet.
Na avaliação de Raffaini, três fatores explicam essa dificuldade para contratar profissionais especializados, o que não é uma situação inédita, mas tem novos componentes. “Uma das razões é que o setor de Engenharia Industrial é marcado por ciclos de aceleração e desaceleração. Há alguns anos, por exemplo, teve um boom no setor de óleo e gás e houve uma corrida para as faculdades de petróleo e gás. Hoje, essas pessoas estão trabalhando em outras áreas, em razão da desaceleração que veio em seguida. Um setor que vive de ups e downs, como a Engenharia Industrial, tem mais dificuldade para atrair e reter talentos e profissionais especializados”, explica.
No passado, essa situação poderia ser facilmente superada por meio de iniciativas de capacitação, como o Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), criado em 2003 pela Petrobras com apoio do Ministério de Minas e Energia, que qualificou 97 mil profissionais até 2013.
Desafios dos tempos atuais
Um dos desafios dos tempos atuais é que os profissionais estão mais exigentes na hora de aceitar um emprego. “Ninguém quer ficar isolado numa obra num lugar longe, tendo de abrir mão de sua vida pessoal. Para os novos profissionais, as questões de well-being, de qualidade de vida, têm um peso muito similar ao das questões de carreira e remuneração. Coisa que não acontecia no passado. As pessoas concordavam em trabalhar no meio do mato e voltar pra casa uma vez por mês ou até a cada três meses”, compara Raffaini.
O executivo lembra que, por conta da natureza de suas obras, o setor de infraestrutura pesada acaba exigindo um pouco de sacrifício pessoal, e esse é um ponto pouco atrativo para as novas gerações. “Os jovens buscam carreiras que garantam, ao mesmo tempo, qualidade de vida, remuneração e perspectivas de desenvolvimento. Ou seja, o setor de Engenharia Industrial vai ter de buscar novas formas de atrair essas pessoas. É realmente necessário que toda a equipe esteja no canteiro de obras?”, questiona.
Na visão do executivo da Deloitte, o desafio das empresas é a digitalização, a automação, a revisão de seus modelos e tecnologias de execução dos trabalhos para proporcionar melhor qualidade de vida para suas equipes. O foco deve ser pensar em tirar boa parte dos profissionais do campo.
Segundo Raffaini, alguns setores já estão trabalhando com gestões e operações sendo executadas a distância. “Eu conheci a experiência de uma obra em que os operadores de escavadeiras e caminhões pilotavam as máquinas estando numa sala com ar-condicionado, longe do calor, do barulho e do risco. Essa iniciativa melhorou a segurança e a qualidade de vida dos motoristas, que foram treinados para atuar no ambiente virtual”, conta Raffaini, lembrando que a empresa teve o cuidado de colocar nessa função os seus próprios motoristas, que já tinham a experiência prática.
Reação rápida
Para o sócio-líder da Deloitte, esse é um exemplo concreto de que é possível tirar pessoas especializadas das pontas e oferecer bem-estar. “O trabalho exclusivamente presencial é um modelo muito antigo, que aumenta o risco e custo, especialmente em obras distantes. A indústria precisa se modernizar para atrair os melhores talentos, porque haverá cada vez menos pessoas dispostas a abrir mão de questões pessoais para estar num canteiro de obras no meio do país.”
Com a expectativa de grandes volumes de investimentos, o setor precisa reagir com rapidez, revendo seus modelos de trabalho e treinando pessoas. Outro ponto de atenção é que o setor tem de disputar talentos com outros mais atrativos, como o de tecnologia. “Hoje, todo jovem que gosta de exatas, que tem o perfil voltado para ciência, tecnologia, engenharia e matemática, quer a área digital, quer ser um programador, um desenvolvedor de sistemas. Eles querem ciências da computação, que é muito mais dinâmico e cool”, observa.
Como um setor mais tradicional, o desafio da Engenharia é ser atraente para o novo perfil de profissionais. Para isso, Eduardo acredita que o ponto de partida é ouvir os jovens de 18 anos, trazê-los para perto, entender o que eles querem. Uma coisa é certa: eles não querem só dinheiro. A resposta passa por digitalização, automação, bem-estar no trabalho e constante oferta de vagas.
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